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Filho afastado dos pais diagnosticados com hanseníase e internados em preventórios deve ser indenizado!

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A hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença infecciosa crônica causada pela bactéria Mycobacterium leprae. Apesar de ser uma das doenças mais antigas conhecidas pela humanidade, ainda hoje é cercada por preconceitos e desinformação.

Política sanitária de isolamento e Hanseníase no Brasil no século XX (1923-1986)

Entre os anos de 1923 e 1986, o Brasil adotou uma política sanitária de isolamento rigorosa para lidar com a hanseníase, influenciada pelo Decreto 16.300/1923. Esta política teve um impacto profundo e duradouro na vida de muitas famílias, incluindo o afastamento compulsório de filhos sadios de pais diagnosticados com hanseníase.

Contexto histórico da Hanseníase

A hanseníase, devido ao seu estigma e falta de um tratamento eficaz na época, era vista com grande temor pela sociedade. O Decreto 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi uma resposta a essa preocupação, estabelecendo medidas especiais para o tratamento da doença. Entre essas medidas, destacava-se o isolamento compulsório dos pacientes em leprosários e a vigilância rigorosa dos seus contatos, inclusive os familiares.

Afastamento compulsório dos filhos 

Uma das consequências mais drásticas dessa política foi a separação de crianças saudáveis de seus pais internados. As crianças eram levadas para preventórios, instituições criadas especificamente para abrigá-las e mantê-las longe do convívio com os pais doentes. Essa prática tinha como objetivo evitar a disseminação da doença, sob a crença de que a proximidade física com os infectados era um risco alto de contágio.

Impactos sociais e psicológicos nos filhos separados dos pais com Hanseníase

O afastamento compulsório gerou um impacto psicológico e emocional devastador tanto para os pais quanto para os filhos. Muitos desses filhos cresceram em preventórios, longe do ambiente familiar, enfrentando traumas emocionais pela separação e, frequentemente, estigmatização por serem filhos de pessoas com hanseníase. Este período de afastamento e isolamento compulsório deixou cicatrizes profundas em milhares de famílias brasileiras.

Mudanças na política de saúde

Com o avanço do conhecimento científico e a descoberta de tratamentos eficazes para a hanseníase, a política de isolamento começou a ser questionada. A partir da década de 1940, a poliquimioterapia (PQT) tornou-se uma forma eficaz de tratamento, e a percepção da doença começou a mudar.

Finalmente, em 1986, o Brasil abandonou a política de isolamento compulsório, reconhecendo os direitos humanos dos pacientes e a eficácia do tratamento ambulatorial. Esse marco representou uma mudança significativa na abordagem da hanseníase, priorizando a reintegração dos pacientes à sociedade e o tratamento humanizado.

Recente decisão TRF: Filho afastado dos pais com Hanseníase deve ser indenizado

25/06/2024 – União deve indenizar em R$ 200 mil filho afastado compulsoriamente dos pais em razão de política sanitária contra hanseníase. Para magistrados, houve ofensa aos direitos de personalidade do autor.

Em decisão recente, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região – TRF-3 obrigou a União a indenizar um homem que foi separado dos pais logo após o nascimento em razão da política sanitária contra a hanseníase. O colegiado considerou que houve ofensa aos direitos de personalidade e fixou o valor em R$ 200 mil pela União.

Consta no processo que, em 1961, a mãe do autor foi internada de forma compulsória em um asilo-colônia no Estado de São Paulo após o diagnóstico de hanseníase, motivo pelo qual o recém-nascido foi retirado da família. O bebê foi levado para um educandário na capital paulista e, aos quatro anos de idade, transferido para outro em Carapicuíba, onde viveu até completar 18 anos.

Em 2022, o homem acionou o Judiciário e pediu R$ 500 mil de indenização por danos morais. Afirmou, na ação, que sofreu, entre outras coisas, com a ansiedade e castigos físicos. O processo, porém, foi julgado extinto pela 1ª Vara Federal de Mogi das Cruzes, sob justificativa de prescrição.

Ao avaliar o recurso no TRF-3, o colegiado concluiu que o pedido é imprescritível, em razão da atipicidade dos fatos. “A prescrição quinquenal atinge situações de normalidade e não àquelas que correspondem a violações de direitos e garantias fundamentais, protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Carta Magna.”

Conforme a decisão: “Não há como negar o trauma e a ‘marca’ que tais crianças e adolescentes carregavam, pois, mesmo que saudáveis, eram acompanhados rigorosamente pelos agentes responsáveis. Já aqueles que eram isolados em instituições, o estigma carregado era ainda mais presente, visto que nem ao menos era possível o convívio com outras crianças, que não apresentavam o mesmo histórico familiar”.

Ainda segundo o colegiado, com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista.

“Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários. Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, de rigor assegurar, aos filhos, o pagamento de indenizações por dano moral.”, registrou o acórdão.

Dados importantes

O juiz Fernando Moreira, membro do IBDFAM, afirma que a jurisprudência tem caminhado no mesmo sentido da decisão do TRF-3 para garantir o direito à indenização às crianças afastadas de seus pais em decorrência das políticas sanitárias, durante o Regime Militar. Ele destaca julgados do próprio TRF da 3ª Região, datados de 2019 (ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 5002761-40.2018.4.03.6119) e de 2020 (ApCiv 5002447-91.2019.4.03.6141).

“Entre outros aspectos muito positivos deste julgado, posso citar o acolhimento da tese de imprescritibilidade das ações referentes à reparação de danos decorrentes de violações aos direitos fundamentais, ocorridos durante o Regime Militar, fazendo o Tribunal um controle de constitucionalidade (observância à Constituição Federal) e de convencionalidade (observância às convenções e aos tratados internacionais)”, avalia o juiz.

O magistrado ainda aplaude a decisão por “reconhecer a violação aos direitos fundamentais da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária, ao privá-las de sua liberdade em instituições públicas ou, em caso de não acolhimento, mediante forte vigilância durante o período escolar, mesmo sem qualquer diagnóstico de hanseníase”.

“Essa triste experiência da nossa história traz lições para o presente. Sempre devemos nos perguntar se a conduta institucional praticada em suposto benefício da criança e do adolescente viola seus direitos fundamentais. No passado, como vimos, em nome da suposta proteção à saúde pública, foram violados os direitos fundamentais dessas crianças à convivência familiar e comunitária”, observa.

Já no presente, acrescenta o especialista, “em nome da proteção do seu bem-estar, milhares de crianças e de adolescentes ainda crescem em acolhimentos institucionais em nosso país, também privados de suas famílias e de sua vida comunitária”.

“O erro se repete. As indenizações, por certo, também se repetirão. Contudo, nunca serão suficientes para reparar os desastrosos danos causados”, conclui Fernando Moreira.

Fonte: IBDFAM

Se você foi afastado dos seus pais diagnosticados com hanseníase e internados em preventórios, busque auxílio jurídico especializado. Você tem direito de ser indenizado pelo Estado.